terça-feira, 17 de novembro de 2009

do resto de ontem

.


"Deixei pra você alguns poemas que sobraram", disse, pelo telefone, como se não estivesse se referindo a um caderno de poemas (algumas de suas páginas arrancadas, outras soltas de outros cadernos), mas como se falasse de maçãs, ervilhas, roupas, vinho, lenços ou outros objetos que de fato podem sobrar. Quando algo sobra, sobra de onde, ou do quê. Um livro de poemas, que publicaria, deixou para mim na gaveta do quarto tudo que não se encaixou, tudo que me pertencia, antes de voltar pr'o Recife e seus dias suados. "Eu vou pegar pra mim o que você perdeu", ele escrevera nas páginas gastas, com resto de digital na tinta da caneta que estourou e o cafézinho da tarde, "e ficar para mim". "Eu vou cuidar do que você abandonou", continuava noutra linha. Falava do reflexo arco-íris de sol na bolha de sabão das crianças naquela tarde que custava a entardecer (novembro), do cheiro de peixe assando (domingo), duma planta que morreu. Chamou os dias de resplandecentes. Das noites estranhas, que nem tinham direito cara de noite, dizia que era buraco de fechadura, prodígio do corpo, que morava tanto nos sulcos das digitais dos dedos quanto nos túneis negros dos olhos.

Um comentário:

  1. Uma história mais entre tantas que acontecem em Belo Horizonte: Ontem, depois de um dia especialmente difícil, ao voltar para casa, eu estava sentada em um banco qualquer de um ônibus, 5102 precisamente, procurando fugir do tempo que dentro de um congestionamento, insistia em não não passar, comecei a ler aquelas páginas do projeto: Leitura para todos e ao virar uma delas, percebi um "post it" amarelo com um carimbo onde dizia: Laura Cohen e o nome de um blog... Entrei, amei e vou voltar sempre. :-)

    Obrigada por tantas palavras especiais, Laura!!!


    Abrazos

    ResponderExcluir