quarta-feira, 30 de setembro de 2009

dias amenos #2

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Você se lembra daquela foto que tiraram de você no dia que você ia me pedir em casamento? Foi certo, o nervosismo te fez beber demais, e eu adverti, eu disse o que aconteceria. Prodigiosa língua. Você vomitou várias vezes e te levamos para deitar na cama do Marcel, que, também bêbado e hilário, pegou na sua bunda e tirou uma foto sua deitado de lado, semiconsciente e nervoso, você com o dedo do meio levantado. Posteriormente, recebemos a fotografia e ele escreveu atrás "cu de bêbado não tem dono, heim, Théo?". Enquanto você dormia naquela noite, profundo e humilhado, decidi chamar um táxi para nos levar para casa enquanto quase amanhecia e quando peguei o seu casaco, caíram do bolso duas alianças ruidosas no chão de madeira. Dentro da maior, havia meu nome escrito. Guardei-as no lugar. Três dias depois, enquanto o vinil chiava o fim da música (talvez tal barulho me faça manter tão antigo hábito) após apenas um copo de uísque, você se ajoelhou, tão piegas na minha frente, no chão da sala.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

post-it amarelo na sua vida

Fui abraçar Anna e recuei. Ela usa o mesmo shampoo que você, o que faz com que vocês dois tenham o mesmo cheiro bom, mas que passou a ser insuportável por ser o seu cheiro. Fazia tempo que eu não me lembrava de você, e logo percebi que aquele era o início de uma terça-feira. Já te expliquei como as terças-feiras são o pior dia da semana. Se o telefone toca numa terça-feira, é um desses caras do telemarketing querendo vender celular. Numa terça-feira há os piores engarrafamentos, as unhas quebram, esmalte descasca, eu me olho no espelho e me acho horrível. Cabelo embaraçado. Perco minhas coisas favoritas. Tenho prova no dia seguinte. Não sou convidada para uma festa. Fico doente.

sábado, 26 de setembro de 2009

messenger

Laurra. diz:
toda vez que eu escrevo ``mijo`` no word, ele sugere trocar por ``urina``
FNORD! diz:
sério?
e bosta? ele sugere fezes?
Laurra. diz:
nao
ele aceita
cagada ele tb aceita

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

dias amenos #1

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Há um momento em que eu odeio. Théo odeia esse momento – eu quebro. Já desfiz janelas copos já se foram cristaleiras desmanchei o vidro como se ele fosse areia de novo. Areia na pele vira sangue. Depois de tal quebra, há o procedimento são de juntar todos os estilhaços, embalá-los em papel do jornal de anteontem e jogá-los no lixo, em segurança, para que não machuquem nem o lixeiro nem mais ninguém. Eu me recomponho neste trabalho. E então, exausta, sinto as costas doendo e me recosto no sofá enquanto a consciência esvai.


(foto: paleta da Ana Paula, diadesses, no atelier)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Ouviu? Barulho de grito. Vizinho brigando. Tem que fazer muito silêncio para entender o que eles tão falando. Cachorro. Tá ouvindo? Ele fala mais alto. Piranha. Vadia. Sai daqui. VADIA. Nojento. Até começarem a atirar coisas. Daí é onomatopéia atrás de onomatopéia. Quarta-feira passada baixou até polícia, eles nem se separaram, dois dias depois já tão brigando de novo. Porra. Se um cara gritasse assim comigo eu nem ia continuar prestando atenção no que ele estava gritando. Eu ia é ir embora.
desencana

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Nanda

(pro Rafo e pra Nanda, obviamente)

Falou com ela que queria ter um filho com ela, que se não fosse com ela era melhor nem ser, nem envelhecer, nem ter mais vida, e que sabia que tantos homens já haviam pedido aquilo para tantas outras mulheres, no campo da aceitação ou da recusa, as coisas começaram a acontecer. Que tinha sorte nas amizades que carregava pela vida, e que só podia enxergá-la parada de costas perto da cerca, usando vestido e galochas, enquanto no fundo uma mangueira amadurecia seus frutos perfumados; era setembro e cada folha que caía no chão por chuva trovoada granito ou acidente era uma fotografia nova. Ela não entendeu. Pensou que se referia à câmera em cima da mesa, ou ao desespero que não deixava unhas crescerem, patamar além do amor, além de qualquer coisa de passagem de tempo dos mais uns do relógio. Teu, teu medo de perder a juventude, ela disse, ele vinha do mar ancestral onde surgiu a vida de cada peixe ossudo que devoraram num almoço entediante de família (ele tinha quatro irmãos) enquanto ela nascera com o cheiro da terra, a sola das galochas manchadas de vermelho do sangue ferroso do lugar que haviam escolhido para viver para sempre. Para sempre, ela poderia dizer. Aos dezoito, quando ele disse por primeiro de seu medo de envelhecer, seu medo de morte, ela manteve um olhar duro e repressivo que ele pensou ser raiva, mas, posteriormente, desvestindo o avental do laboratório (sujo de água de um aquário cheio de águas vivas), brincou que ela ficava com raiva de qualquer coisa, mas não era. Não era raiva.

Quando tu me disse que tinha medo de envelhecer, eu quase chorei. Ouviu? Eu quase chorei. Não fiquei brava não. É por que eu odeio te ouvir falando do que tu odeia; do que te fere.

Disse que não precisava ser um filho em si, mas eles deveriam ter algo juntos, dum degrau melhor que o amor, que a possessão, que a velhice e a morte que alcança os braços de cada um, e assusta. Daqui a cinqüenta anos, diria, talvez. Daqui a cinqüenta anos, se bater essa tua tristeza de novo. Pensa em mim. E aí tu vai ver que não envelheceu nada. Olha só, pegou a câmera e tirou uma foto – o cabelo dele estava despenteado, telefonema urgente às sete e meia de uma terça-feira dava nisso, pressa, a camisa amarrotada por que o ferro de passar roupa dera um curto-circuito e quando ele ia concertar, simplesmente desaparecera nas entranhas de uma casa onde só moravam estudantes.

Hoje, absolutamente hoje, é eterno, ela disse. Eu guardei. E eu vou mostrar pra todo mundo quando tu tiver muitos anos. E daí a gente vai ver que tu não mudou porra nenhuma, tá ouvindo? A gente não vai ter envelhecido não.
Eu juro, eu prometo.

Pode ouvir ao longe o barulho castanho das galochas sobre as folhas que caíram. Do lado de cá, um cachorro a acompanha.

Gosta dos bichos, como eu.

Vamos adotar outro vira-lata então.

Tá chorando de novo. Ouviu? Chorando de novo.

Que bonita que ela é.

Não chora mais não, Nanda.

sábado, 12 de setembro de 2009

des(ex)istindo

Putz, isso de novo, não vai dar certo não, figurinha repetida não completa álbum, heim? Cala a boca, Anna. E o cara ainda namora. Namorar? Aquele plasma? Velho, ontem a gente tava na casa dele e quando meu irmão perguntou onde é que tava aquela coisa, ele só falou, bah, tá em casa. Dormindo.
Mas eu vi, eu vi, seu ex tava a fim de te pegar horrores, você viu o jeito que ele tava olhando, e como ele ficou tirando foto sua aquela hora? Depois de toda aquela cerveja que eu bebi, nem teve bolas o suficiente pra chegar beijando. Ele tava sóbrio, cara. Sóbrio. Duvidé-ó-dó, que dozinha, todos aqueles cigarros também. Jesus. Puta vontade & puta medo de te beijar. Eles até apostaram. O quê? Apostaram, Alex e Flavinha, se ele ia te beijar meia noite e trinta ou meia noite e quarenta. E quem ganhou? NINGUÉM, PORRA, NINGUÉM. Calma, calma. Mas não acabou, escuta. Eu voltei pra casa.
Hã.
E ele me mandou uma mensagem, puta que pariu como esse café tá ruim, quem fez esse café?
Foi o Aldo. Que mensagem ele te mandou?
Ai,
olha -
Desculpa por hoje eu queria muito, mas com os meninos aqui a Michelle ia ficar sabendo rapidão. Vamo encontrar depois? Beijos como naquele outono. Porrra mas ele é burro, meu deus.
Burro?
A gente namorou durante o inverno e a primavera.
Pffffff...!
Mandou isso às 5h da manhã, ele devia estar fumado. Ele chegou para mim e perguntou se eu seguia a jonfa. Hahaha! Sensacional né.
E o que você disse?
Hoje não.
Pfff...!
Michelle, velho, com dois eles, pelo amor de deus!
Conta rápido que eu tenho aula daqui a pouco.
Então, ele falou com os meninos que ele ia fumar um mais tarde, que ele tava me chamando e que não era pra eu dar esparro. Eu já tava louca e de saco cheio de tanta cerveja.
Ah, dona Cecília, olha lá o que você tá aprontando heim.
Na boa. Pra mim chega. Que vontade de parar de existir. Eu respondo a mensagem? Responde! O que eu escrevo? Sei lá manda um ok bem frio pra ele.
Não, só isso não. Esquece, não vou responder. Responde! Responde mais tarde.
Que tal - eu escrevo: ok, entendo, você me liga, mas eu não vou ficar esperando por que eu sei bem como você é.
Sabia que ele morre de saudades de você?
E eu morro de saudade dele.
Ohn...!
Mas que caralho, velho.
Se controla, eu vou pra aula, me encontra no centro que a gente almoça juntas mais tarde tá?
Ok.
Sem essa cara de velha da quaker também.
Tá bom, tá bom.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

cerrado

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Da página rasgada do caderno ao correio veio em quilômetros a apelação muda da leitura, o que lê em silêncio, de pé e assustado; e a outra que pergunta qual é a notícia do telegrama dessa vez. Uma foto, uma cobrança, um agradecimento, lembrete, despedida – os beijos enviados. Padece com o cálculo dos anos, com o almoço saindo e a falta de fome que vem com a náusea. O chão de cimento pintado do outro lado da linha da estrada. As xícaras e os pratos esmaltados, estremece as vidraças com os trovões. Abraço ambíguo. Odiar. Negaram-no portanto, tal árvore não é sua, aquela terra cheia de sol e solo onde eu cresceria diante do perfume forte das frutas amadurecendo, o cheiro da chuva vindo ou vinda do chão, formigueiros, a planta seca, o sacrifício vão da vida correndo na ficcionalidade que nos conta o tempo.

domingo, 6 de setembro de 2009

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Pronto, já passou, é manhã de hoje e se você está fazendo alguma coisa agorinha é abrir presentes, dormir, limpar o resto de alguma festa em casa, receber telefonemas atrasados. Quantas camisas você ganhou? Quantos livros? Meu deus que dia perdido o de ontem, eram nove e meia da manhã, sábado, e na biblioteca eu fui devolver um livro do Philip Roth que meu irmão estava lendo para alugar um Dante para mim, vi a data do carimbo expirando no dia de ontem mesmo e soltei um oooh suspirado que o bibliotecário não entendeu. São seus setembros. Me lembrei daquele trecho do meu livro favorito em que Sofía escreve a Rímini: mais um treze de agosto! Vocês dois nasceram no inverno. Como você comemorou? Ontem fui tão perto do bairro onde você mora. Ver o jogo. Beber. Troquei olhares com um rapaz bonito, sardento, eu tive tanto medo de te ver. O abraço seria mais longo. Fiquei repetindo entre as estantes de livros, trinta e três, trinta e três, trinta e três, trinta e três, trinta e três, trinta e três, como se eu estivesse doente



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Senta no vaso não, senta aí não que você vai pegar sífilis aids gonorréia gripe suína, vai beber cerveja que é melhor. Atravessa seus quarteirões frios, o inverno foi foda, cara, e o verão chegou mais cedo, entra no pub, se acaba. Meus hematomas. E então volta para casa no silencioso banco-de-trás-de-táxi e sem tirar a maquiagem preta vermelha lilás, que escorre, sem medo da ressequida ressaca de amanhã, capota na cama e adormece.

sábado, 5 de setembro de 2009

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Os livros da biblioteca pública têm todos um mesmo cheiro. Como se todos pertencessem a uma pessoa só.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

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Vai chover, eles diriam, está todo mundo falando disso, falando que vai chover. Mantenho a lista de tarefas no caderno, vou riscando com caneta vermelha tudo aquilo que já fiz. Comprar pincéis, certo, não gastar mais de dez reais com isso por que você sabe, você sempre estraga os pincéis, pagar aquele curso, marcar de cortar o cabelo, fazer as unhas (meu deus do céu de que cor pintar dessa vez?), fotocópias, a lista extensa de textos teóricos gramáticos analíticos paralíticos. Seria tão mais fácil se eu me chamasse Carlos - eu poderia olhar para mim mesma(o) e dizer, não se mate, Carlos, sossegue, o amor - como na primeríssima linha & título da página cento e noventa e seis. Estava no índice remissivo. Parar de arrancar as cutículas com os dentes, usar esse vestido, beber menos café, alugar esse filme, terminar de escrever escrever escrever uma história; eu vou colocar essa muleta ali. Mas a gente nunca termina. A gente mente que termina.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

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Te encontrei várias vezes no metrô de Viena, por acaso, um abraço e te ligo mais tarde . Não estava em lugar algum. Te deixei tantas várias vezes sentado naquele bar com a conta após desentendimentos políticos fóbicos amorosos literatomusicais, ou ivernos, por debaixo. Ou te achei esquecido nos bolsos dos casacos depois de um verão inteiro ou numa pedra solta, na qual de repente tropecei e machuquei o pé, não havia nada sob ela. Esperando nos consultórios dos dentistas. Marcando um encontro perto daquele monumento naquela praça perto daquela árvore junto a tal estação. Ou bêbado, desolado, me abraçando pela cintura por não conseguir se levantar. Passeando com o cachorro, vestido numa calça velhinha de pijama, debruçado sobre a avenida. Jogando as flores no chão, me esperando naquele small café em Berlim (Lou nos falou dele, Lou estava certo e nós estávamos completamente errados), o isqueiro, o maço sobre o livro fechado, o meu tempo inconsciente. Eu vim aqui e olhei. Contei cada achado e perdido do inventário do seu morto.