quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Nanda

(pro Rafo e pra Nanda, obviamente)

Falou com ela que queria ter um filho com ela, que se não fosse com ela era melhor nem ser, nem envelhecer, nem ter mais vida, e que sabia que tantos homens já haviam pedido aquilo para tantas outras mulheres, no campo da aceitação ou da recusa, as coisas começaram a acontecer. Que tinha sorte nas amizades que carregava pela vida, e que só podia enxergá-la parada de costas perto da cerca, usando vestido e galochas, enquanto no fundo uma mangueira amadurecia seus frutos perfumados; era setembro e cada folha que caía no chão por chuva trovoada granito ou acidente era uma fotografia nova. Ela não entendeu. Pensou que se referia à câmera em cima da mesa, ou ao desespero que não deixava unhas crescerem, patamar além do amor, além de qualquer coisa de passagem de tempo dos mais uns do relógio. Teu, teu medo de perder a juventude, ela disse, ele vinha do mar ancestral onde surgiu a vida de cada peixe ossudo que devoraram num almoço entediante de família (ele tinha quatro irmãos) enquanto ela nascera com o cheiro da terra, a sola das galochas manchadas de vermelho do sangue ferroso do lugar que haviam escolhido para viver para sempre. Para sempre, ela poderia dizer. Aos dezoito, quando ele disse por primeiro de seu medo de envelhecer, seu medo de morte, ela manteve um olhar duro e repressivo que ele pensou ser raiva, mas, posteriormente, desvestindo o avental do laboratório (sujo de água de um aquário cheio de águas vivas), brincou que ela ficava com raiva de qualquer coisa, mas não era. Não era raiva.

Quando tu me disse que tinha medo de envelhecer, eu quase chorei. Ouviu? Eu quase chorei. Não fiquei brava não. É por que eu odeio te ouvir falando do que tu odeia; do que te fere.

Disse que não precisava ser um filho em si, mas eles deveriam ter algo juntos, dum degrau melhor que o amor, que a possessão, que a velhice e a morte que alcança os braços de cada um, e assusta. Daqui a cinqüenta anos, diria, talvez. Daqui a cinqüenta anos, se bater essa tua tristeza de novo. Pensa em mim. E aí tu vai ver que não envelheceu nada. Olha só, pegou a câmera e tirou uma foto – o cabelo dele estava despenteado, telefonema urgente às sete e meia de uma terça-feira dava nisso, pressa, a camisa amarrotada por que o ferro de passar roupa dera um curto-circuito e quando ele ia concertar, simplesmente desaparecera nas entranhas de uma casa onde só moravam estudantes.

Hoje, absolutamente hoje, é eterno, ela disse. Eu guardei. E eu vou mostrar pra todo mundo quando tu tiver muitos anos. E daí a gente vai ver que tu não mudou porra nenhuma, tá ouvindo? A gente não vai ter envelhecido não.
Eu juro, eu prometo.

Pode ouvir ao longe o barulho castanho das galochas sobre as folhas que caíram. Do lado de cá, um cachorro a acompanha.

Gosta dos bichos, como eu.

Vamos adotar outro vira-lata então.

Tá chorando de novo. Ouviu? Chorando de novo.

Que bonita que ela é.

Não chora mais não, Nanda.

Um comentário:

  1. grande Laura. bem grande. como sempre.
    sinto saudades tuas.
    por andas.
    nem me ligastes!

    beijocas!

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