Eu me lembro de ter escutado as coisas que você falou do pai, meio sem consolo, meio puto, talvez, não sei, você fala do fígado dele, alcoolismo, você não fala o nome dele de novo. Você não quer continuar o assunto. Nós estamos assustados. Descubro por minha conta. Escuta. Mudamos o objeto da conversa, não sei muito bem onde ela morreu. Não conversávamos de perto, como antes, mas estávamos com um bom humor cansado - a minha dor de cabeça passou em vinte segundos, depois que eu deitei a cabeça no seu ombro e fechei os olhos, acredita? - cansado de um dia longo e produtivo. Eu trabalhei a tarde toda numas idéias, você ensaiou com os meninos. Não queremos ainda voltar para casa. Sinto que você sabe de mais coisas do que eu. Tenho um vislumbre do futuro, não sei se é verdade. Você me liga. Você fala. Eu não sei muito bem, me conta algo urgente. Está chovendo. Eu me visto depressa, está frio, enrolo qualquer coisa no pescoço, vai uma jaqueta sobre os braços, de qualquer jeito. Entro no carro, bato a porta com força. Dirijo. Tem aquela placa que eu gosto: paraíso pompéia saudade. Eu estranho os nomes para a funcionalidade, mas tão poéticamente colocados. Nós nos encontramos. Você fala, você está arrasado por algum motivo. Fim. Até aí que vai minha imaginação para alguma cena que possa acontecer. Meus dedos estão sujos de tinta. Tenho agora outra visão. Entro em um quarto da casa antiga. A casa cheia de um cadáver ruim, enterrado sob alguma tábua, ocupa cômodo a cômodo com seu espírito de relógio pesado. Tenho de novo outro daqueles sonhos recorrentes, dessa vez o aquário com os peixes. Eu já te contei? Então, ele é assim, meio azul. O medo se esvai pelos meus joelhos, o medo se esvai pela sua boca. Você é um dia ameno, despretensioso e feliz, para onde tende a minha ternura.
(para Fabrício.)