quinta-feira, 11 de março de 2010

dias amenos #9



Útero, a palavra ressalta algo que minha mãe nunca teve. Ela gerava os filhos dentro de outros órgãos – um pulmão, o estômago, um rim, o baço, o apêndice. Nasci deste último inútil fragmento de seu corpo e vim pequena, com menos de sete meses. Não agüentei viver no amargor de dentro daquela mulher. E quase não vivi – apêndice improfícuo, inflamou de me ter lá dentro e ele saiu comigo do ventre magro de minha mãe, e nunca mais fez parte dela.

Mamãe usava anéis estreitos para dedos raquíticos. O cabelo sem corte não crescia além dos ombros, era deixado sempre preso e justo. Ela deixava o rádio ligado o dia todo, mas nunca escutou música. Ela nunca olhou de uma janela simplesmente por olhar. Nunca pintou as unhas, nunca plantou flores, nunca quis sair dali.

2 comentários:

  1. Não parece uma menina de 20 anos ao escrever. Parece mais velha. Coisas turronas de capricórnio, coisas sábias. Coisa de velho. Você é a terceira escritora que conheço que tem Escorpião como ascendente...

    O mais lindo e cruel nisso é sua capacidade de arrancar o apêndice das letras... Tudo é tão arguto em Laura C.

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  2. Eu decidi que conseguiria escrever quando descobri a disciplina de manter uma horta nos fundos de casa. Ainda não plantei flores, fora as de manjericão, abundantes na terra. O carnaval, bem, é apenas mais uma chaga... sonora, talvez.

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