segunda-feira, 22 de março de 2010

Perto da Estação Central




Quanto vale cada azulejo? Que calor – é assim que eu confio na previsão do tempo, pelos joelhos dela. E mais tarde, então, que frio. Um casaco, um abraço, a fome. A demolição de uma casa, interrompida no domingo, vemos os restos dela se desfazendo no chão em cores de paredes e ladrilhos. Vai chover. O cheiro de cimento molhado, restos de terra e vida. Domingo, chamego, sushi, a casa ficou uma bagunça... A cama. A nossa.

“Mas será que você não me ouviu?”, seguro o braço dela. “O ouro serve apenas às mulheres casadas, mãe ausente, aos sapatos de salto”. Nós não. “Você precisa se cuidar melhor”, eu disse a ela, descabelada, limpando o vidro opaco da cozinha com um pedaço de jornal, contra ele o céu nublado. Você toma banho e limpa os restos grudentos de sexo que ainda há em você. Ouvir de longe o metrô passando, de tempo em tempo, contando, para nos lembrar há quanto tempo estamos aqui e por quanto tempo... “vamos ficar aqui?”. “Eu preciso me vestir, o último é às onze e há tempos não tem luz nenhum saindo daquela janelinha ali, olha”, “onde?”, “aqui”.

Ainda esperaremos que o relógio quebre, que os insetos corrompam os móveis, que a chuva, essa, dos seus joelhos e impressões, maltrate os tijolos. “André você ainda tá aí? Você ainda tá falando comigo?” Não, esquece o que eu disse. Dorme hoje aqui, comigo, nessa cama desarrumada. Nenhum trem vai nos acordar de novo, do modo abrupto no qual eu te maltrato (os hematomas, hematomas em volta dos mamilos) durante os dias.




(a foto é da Letícia, uma amiga, vítima de uma experiência amadora e longa demais que fiz com uma Olympus Trip 35 e filme preto e branco. Ainda tenho uns rolos a revelar, mas não me animo, por que fotografia é uma coisa muito cega e já me basta a miopia grave que herdei do meu avô)

3 comentários:

  1. -tu consegues fazer qualquer assunto ou contexto entrar em harmonia nos teus textos. Nada parece clichê por aqui. Não perco um.
    =]

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