quarta-feira, 14 de abril de 2010

ambulâncias



4 - As ambulâncias, quando levam um doente grave de volta para casa, se locomovem de uma maneira excepcionalmente vagarosa. A sirene, silenciada, restara na alerta de um vestígio de luz vermelha girando enquanto ainda havia sol. Eu estava seguindo um desses veículos vagarosos às cinco e meia de uma tarde engarrafada, com carros buzinando atrás. Eles que buzinavam não percebiam o que estava acontecendo. Eu estava levando Vera para morrer em casa.

5 - Olho para Clarissa e vejo tudo que quero ser um dia. Talvez, por hábitos solares do bom humor aos quais sigo inconscientemente e de maneira devota, o amor ao marido, um vestir-se bem mesmo com essa idade desleixada da velhice, aposentada e feliz, de quem soube o que queria e perseguiu isso adiante. Clarissa recusa a beleza que ela acha que não tem enquanto eu desejo envelhecer linda como ela.

6 - Eu me lembrava de outras ambulâncias deixando velhinhos em macas na porta de suas casas, com seus lençóis brancos e seus respiradores artificiais. Enfermeiros arrastavam cadeiras de rodas. Um bairro de velhinhos, no domingo eles saem em passos curtos, desafiando a loucura em roupa limpa, empunhando o cheiro dos jornais recém impressos e do pão tão prontamente assado.

6 comentários:

  1. O amado-odiado Gerald Thomas trabalhou como piloto de ambulância em Londres. Ele disse que as únicas ocorrências eram: ataque cardíaco e translado de velhinhos...

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  2. uma vez eu chamei uma amulância pra uma senhora que agonizava em meu colo no ponto de ônibus.A senhora mijou em mim, enquanto me olhava com desespero.não conseguia respirar. deve ter morrido, não sei. meu ônibus chegou e a ambulância não apareceu.

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  3. Fiquei dormente. Moro com a minha avó, evito dar assunto quando ela me fala de seus problemas de saúde, tenho medo que ela morra e só esteja eu aqui em casa, ou que ela passe muito mal e eu não saiba socorrê-la ou me desespere.

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  4. Se um dia eu presenciar alguém morrendo ao meu lado eu morro junto.

    Tive uma tia distante que morreu acometida por câncer de mama. Nos últimos suspiros (odeio essa expressão), ela tava dando as mãos pra irmã dela, muito lúcida. Morreu lúcida e desesperada. Essa irmã sentiu um arrepio tenebroso no leito... A defunta disse que estava "enxergando" os parentes mortos.

    A morte sempre esteve presente em mim. Já fui em muitos velórios desde criança.

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  5. Tenho um amigo que tinha um avô que se orgulhava de nunca depender de carro para andar por aí. Ele tinha uma bicicleta e pedalava por todos os lugares, moravam numa cidade pequena. Daí, um dia um moço passou pedindo comida e o avô deu pra ele almoço e a bicicleta. Todo mundo ficou meio assustado. Pouco tempo depois, ele morreu.

    acho que a gente devia abrir uma cerveja agora.

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  6. nossa, velhinhos passeando na calçada é a coisa mais bonita!
    "desfiando a loucura em roupa limpa" é bonito demais, hein! talvez seja exatamente isso. bonito demais que lembra a morte.

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