segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

a vida normal (I)

1.
Eu estava tentando encontrar um endereço à pé, e passei de novo pelo bar onde eu te conheci. Estava cheio aí pelas seis da tarde, a hora do pico, e na frente, na praça com a igreja havia um casamento cheio de gente. Ainda claro (o sol está indo embora às sete horas da noite, o que você tem feito com tanto dia?), vi o carro com a noiva chegando, e o vestido dela não era tão pesado assim, e daí eu pensei que eu me casaria no verão. Parado entre o bar e a praça, me esqueci de onde eu estava indo (mas me lembrei até onde eu estivera) e tive que olhar o endereço e o nome da mulher no papel, e conferir o nome das ruas na esquina do bar cheio onde eu te conheci.



2.
Aquele rapaz, Miguel, (é este o nome dele, não é?) estava no concerto de domingo, não estava? Acho que ele passou por mim... – não, tenho certeza de que ele passou por mim e eu me lembrei de você falando que tinha terminado um relacionamento tão longo, meu deus, fiquei imaginando que história bonita isso foi. Ele é tão intenso assim, ou foi só impressão minha? Quando ele passou por mim, os segundos duraram mais que o normal, quando eu o reconheci e vi aquele rosto de linhas retas, e um sorriso que sabe mais do que fala, uma corrente escondida na gola da camiseta branca; indicando talvez um escapulário, como o que Augusto esconde... Enfim, que curiosidade me deu em te perguntar. Meus olhos seguiram a nuca do Miguel, e ele se perdeu, não sei, sumiu no meio da fila cheia de gente esperando para entrar no auditório, e a imagem dele passando por mim e não me vendo enquanto eu o enxergava e tentava ver adentro deixou minha curiosidade doente, e eu comecei a maquinar as coisas. O mais esquisito é que na semana anterior, eu vira esse rapaz tocando piano num palco, e você sabe, ele toca de maneira monstruosa... E como ele estava arrumado, de camisa e sapatos, e agora, de camiseta e bermuda e chinelo, se entregando a uma manhã musical qualquer como alguém que vai, não parecia louco como me pareceu no palco, antes. Vocês, não entendo, o instrumento está lá, sólido, vocês vão e tiram uma tempestade de dentro dele.



3.
Você não era assim, falante. Aprendeu comigo, foi? Já almoçou? Está enjoado? Cansou-se de mim? Não vou falar mais. Está tarde. Há uma beleza inevitável hoje nas coisas que nós interrompemos, não há, hem, Miguel? Nós não vamos ficar juntos. Aliás, nós nunca ficamos hem. Parece que só agora conseguimos oficialmente começar a “vida nova” que se difere daquela loucura, meu deus. “Isso era errado”, é você achava isso errado, hem, Miguel, você achava que beijar era errado. É errado ter uma boca. É errado ter mãos com dedos que sentem as coisas. Os pêlos no corpo e unhas que crescem. Vamos comer o almoço. A sua voz já não era tão encorpada quando dizia que era errado, mas ficava no tom perfeito quando falava de perto, assim. É para ir além da sanidade do corpo. Meu corpo – a sua outra alegria.

Um comentário:

  1. é somente pra ir além.
    de qualquer sanidade, seja ela qual for.

    bonito Laura.
    como anda?
    dê notícias.
    beijcas!

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