quinta-feira, 1 de julho de 2010

morada



Dessa vez em que ficamos separados por um mês, eu estava num entardecendo com meu corpo cheio de sal e areia, e a gata da tia se enroscando nas minhas pernas. Eu esperava tomando cerveja na varanda de casa e ele ligou, o sinal ruim da distância. Disse que se esquecera de como eu era, de como era meu cheiro e meus olhos, que de repente sentira um desespero e precisava ouvir minha voz para se lembrar e mesmo assim não conseguia ter idéia: talvez como esquecer falas parado no centro do palco, pontuou. Ou como aqueles caras na guerra, que têm uma perna arrancada e não sentem dor, e eu achei bonito, disse que era uma falta tão, mas tão grande que nem se sentia mais.

Antes de ir dormir reencontrei álbum do casamento na cabeceira da cama, fotografias pequenas que um amigo havia feito com uma câmera analógica e rolos de filme preto e branco e de um colorido falso, opaco, embrutecido; uma festa pequena pra bastante gente, que durou caixas e caixas de cerveja das três da tarde até as três da manhã no quintal. A poeira se assenta e aquilo que antes eram cômodos vazios cheios buracos de outras pessoas, torna-se de repente a nossa morada.

5 comentários:

  1. Gostei da forma que uma descrição de sensações criou toda uma atmosfera imagética.

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  2. Belíssimo.

    Gostei do background.

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  3. Belíssimo... inda mais num primeiro de julho!

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  4. coisa de dar medo essa de esquecer a fala no meio do palco.
    as fotografias... fotografia em filme de texto.

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  5. texto lindão, hein! muito bom passar por essa janela! "ninguém sabia e ninguém viu / e eu tava ao teu lado então"

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