quarta-feira, 14 de julho de 2010

Bienvenido



Jean-Luc, repito, você é sempre bem recebido em minha casa. Lembro-me com freqüência de uma pequena cena, de quando o interfone tocou e o porteiro disse o seu nome, o pessoal já estava aqui bebendo e conversando desde sete da noite (já eram por volta das nove? – tempo turvo), eu falei, pode subir, e quando eu abri a porta, vi você, parado, com uma garrafa de vinho na mão e um jornal dobrado ao meio debaixo do braço. Regalito, você disse ao estendê-lo. Era o exemplar do Clarín do dia cinco de junho que você trouxe para mim de Buenos Aires. Em folheá-lo posteriormente, não resisti em olhar a previsão do tempo. No verso da primeira página, encontrei o dia ensolarado: um sol redondo e amarelo com pequenos raios em volta, sol bem parecido com o centro da bandeira argentina; temperatura mínima, sete graus, máxima, dezoito, mas talvez isso seja uma mentira. Umidade: setenta e nove porcento. Depois, você me disse, que num dia desses (quem sabe o próprio dia do jornal) foi levado por um argentino que se chamava Santiago para um bar minúsculo com setenta pessoas espremidas lá dentro, onde as prateleiras não eram espanadas desde mil novecentos e desde-então, e que eles começaram a cantar uma espécie de tango improvisado ali num período da noite, mas não entendi muito bem por que nesta hora eu estava na cozinha, preparando o jantar para servir a vocês. Não sei – talvez cada palavra em cada carta que te escrevo seja uma ode à você, ou um elogio ao tempo, um elogio à nossas conversas. Mas eu me frustro, você sempre me manda ir com calma, Jean-Luc, tentar não enlouquecer tanto diante deste cotidiano de coisas incríveis, mas eu continuo me precipitando e é assim que eu destruo as coisas. Talvez, destruir seja uma forma de suportar. Enfim, ultimamente, apesar das evidências (o CD do Bartók comprado em Bs. As., o jornal, uma blusa de frio que você me emprestou aquele dia no bar quando o Augusto começava a dar aquelas estranhas dicas de vida a vocês, rapazes e eu queria ir embora pra casa), só nos resta música e narrativa quando um acontecimento chega ao fim.

2 comentários:

  1. Delicioso, Laura.
    Depois que nos conhecemos passei a gostar tanto da Argentina(!).
    Acho que sei quem é o Jean-Luc...

    ResponderExcluir
  2. Talvez destruamos (subj.) para dar espaço a coisas novas. Beijos, prima!

    ResponderExcluir