quinta-feira, 2 de julho de 2009

Matinais

Quando se acorda no Japão
os jovens casais despertam
em seus apartamentos minúsculos
e minimialistas – em Tóquio.
Tomam chá antes do trabalho,
arrumando-se com camisas brancas
limpas
e gravatas, mulheres com saias
escuras severas, coques nos cabelos
(ora lisos e pretos, ora artificialmente
modificados) e salto alto: a baixeza
é uma vergonha nacional como fator genético.

Por aqui seremos amanhãs.
Os argentinos tomam café y medialunas,
as mulheres maqueiam-se e envolvem suas
encharpes nos pescoços, saem por ruas
frias e úmidas, quase neblinosas. Todos estes
já acordam (temprano) falando e gesticulando,
achando bom ou ruim, vivendo rápido demais. Martín
dedilha restos de açúcar sobre a mesa de vidro,
caídos fora de seu expresso – quando acordou
buscou loucamente por seus óculos no criado mudo
e gritou comigo confuso para que eu os buscasse
no banheiro. Estava tão cansado na noite anterior
que se atirou ao meu lado na cama e dormiu na hora.
Martín, no café, coça os cabelos ensebados de inverno,
toma seu expresso e fuma seu cigarro (Jean-Luc me
disse uma vez que eu tinha propensão a tabagista,
mas nunca fui de fumar), peço um moccachino potque
quero ser mais doce que aquilo. Martín despede-se
de mim com um cinzento beijo amargo (como o dia) e
tomamos muitos rumos diferentes.
Faz frio. Estou só.
Mais tarde ouvirei um “¿Dónde estás vos?”
sonoro e truculento ao teléfono, Martín fuma do
outro lado da linha. Os nomes de seus amigos
parecem nomes de cidades, de santos, de tantos:
anazitarafaelsantiagoandréslucíasandro,
língua maldita que acentua tônicas trocadas!
Concordo, sabendo que voltarei para casa tarde,
Bêbada e cansada como ontem (dormir-se-á na intimidade
todas as portas deste
apartamento têm a doença do rangido:
você sempre sabe em qual cômodo
eu estou).
Então rezo:
Avenida,
mantém-me acordada a noite toda.
Vou pra cama às dias, três, continuo
despertanto sóbriamente cedo para respirar o ar calmo
ainda não revirado das agitações diurnas.
Vejo o dia amanhecendo para provar melhor suas entranhas,
visto-me para ele às vezes como uma dama austera, às vezes
como a universitária (para beber tanto ainda estudo muito) ou
como uma criança em descuidos.
Penso ocasionalmente que certas roupas me trazem ares
de jovem puta, roupas eternamente abandonadas no
meu armário.
Minha cabeça é matuta
matutinamente.
É só de manhã que tenho tanto saco para poesia.

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