segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Ossário (II)

Olho para o osso da bacia dele despontando quase para fora da pele. Posso esticá-lo com os dedos, como se ele fosse de balão, e ver o osso mais de perto por dentro da carne, mas tenho medo que a carne se rompa e sangre nos meus dedos um rasgo que eu não vou poder alcançar. Enquanto descansa parece novamente frágil. Os pêlos raleiam aqui e aumentam mais embaixo, engrossam, escondendo uma parte do corpo que parece ter pudor de existir. Depois, uma barriga voltada pra dentro (se ele está deitado de costas, posso chamar essa parte dos homens de “ventre?”), endurecida e um pouco estufada bem abaixo do umbigo muito infantil que ele tem, saltado pra fora, seguindo os pêlos num caminho reto até onde o peito existe, e ele se espalha. Uma linha da pele grossa brilha, repasso o dedo na cicatriz que me deu nojo faz uma hora. Acho que me acostumo com ela, longa o bastante para substituir um coração defeituoso por um coração de um morto gelado. Esse coração não é meu, diria quando eu lhe desabotoei a camisa com os dedos tremendo. Fala como quem perdeu um braço há dez anosr. Espalmo a mão e confiro que sob a pele quente e confiro se ele age pulsando como um coração normal.

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