terça-feira, 14 de junho de 2011

O Dente do Louco (2)


Faço isso para que ele não arranque os próprios dentes. Às vezes eu arranco sim um dente dele, e ele sofre. Faço isso para que ele não arranque os meus. Ele desliza na minha boca úmida e belisca, eu cuspo ele pra fora gritando as palavras que ele gosta de ouvir. Às vezes, também, eu mato o louco: recuso a tentação de ir agora em direção a ele e obedecê-lo. Preciso esperar isso. “Vê, a linha da terra?”, ele diz, ressurgindo sem dor. Ele começa a crescer de novo como uma erva nas próprias vísceras. “Você sente na ponta da língua uma coisa escura e asquerosa? É tinta. Livre-se disso. Cadê sua palavra, hem? Fale comigo!”, diz o louco. Ele coloca o lápis de volta na minha mão e diz que há mais santidade no meu ato do que qualquer reza. Preciso acabar com isso logo, penso. “Então acabe”, diz o louco. Permaneço. “Diga logo”, ele insiste. Sim, vou dizer tudo. Continuo calada. Ele olha para mim. “Lá vem o tempo”, diz o louco, “você quer acabar igual a mim?”. Eu rezo e falo com a terra e registro a minha palavra. Assim que eu escrevo o nome do louco, o louco adormece.

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