terça-feira, 1 de junho de 2010

faltas



14 - É você, tenho certeza que é você, eu pensei, ao atravessar a rua, quando eu vi aquele homem se sentando no banco da praça como se esperasse alguém. E então entrei no ônibus que havia chegado. E agora faziam três semanas quase exatas que nos tínhamos cruzado na rua e conversado as onze da manhã por não mais que cinco minutos. Me lembrei então de como você gostava tanto do trabalho de Vera e eu disse que eu cuidara dela durante alguns meses, quando ela ficara doente. Pessoalmente, eu disse, acho que foi melhor do que fazer qualquer matéria com ela. Estudar qualquer coisa com ela, por que eu tinha acesso à biblioteca, e nós conversávamos muito – ela falava muito. Não falei nada dos vidros quebrados, não falei nada dos gritos mimados de Vera nem da casa afundando. Vera era imortal, quase acrescentei, meio assustada pelas circunstâncias, nada a derrubava do jeito que derrubavam as mocinhas mais jovens, eu, Katylenne, todas as outras.

15 – Nota de aula: A linguagem é a ausência da coisa: linguagem é sempre perda. O que foi perdido está perdido. O escritor porém pode inventar sobre aquilo, mas nunca poderá haver de volta o objeto perdido. O escritor, o indivíduo, o sujeito, ele é construído de lembranças e memória. Todos impalpáveis. Ele precisa voltar a isso. Ele se consola.

16 - Vejo sua camisa dependurada no cabide. Cheiro até o fundo um resto de suor.

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