quarta-feira, 29 de abril de 2009

1- MR. POSTMAN: Recebi ontem de Boaz uma carta pelo correio. Foi um susto, fazia um tempão que eu não recebia cartas. Era terça-feira, e eu simplesmente odeio terças-feiras. Um monte de coisas boas me aconteceram até as cinco horas da tarde, quando uma enxaqueca insuportável me tomou a cabeça. Só há uma cura para a enxaqueca de terça-feira: um abraço do Meu Irmão. Mas ele estava ensaiando. Pensei em descer algumas ruas da minha aula de francês (onde eu estava quando a enxaqueca me atacou) até o estúdio do menino, mas eu sabia que aquele som de bateria+baixo+guitarra+André cantando pioraria minha situação. Liguei para ele e peguei um táxi para ir para casa.
Boaz escreveu um monte de coisas confusas para mim. A carta, escrita de azul, não tinha ordem - as coisas eram escritas de forma aleatória, como a fala de um bêbado - e segundo ele, fumou um bocado de cigarros enquanto escrevia. Havia, além do papel branco escrito em azul, dois bilhetinhos com lembretes de coisas que ele esquecera de incluir na carta. As terças-feiras mudam de cor, eu quis dizer a Boaz naquele momento, por serem o pior dia da semana. A de ontem foi realmente vermelha. Ao descer do táxi depois de um padecimento cerebral incrível, subi de elevador, tomei uma novalgina e descobri também que Caio, depois de muito tempo, havia respondido a carta de Fernanda.

2- NÃO VOU: Certamente eu não queria estar na rua. Não ali. Não naquele momento, naquela noite. Todos estavam muito bêbados por terem passado a tarde inteira em mais algum desses festivais de sábado que a cidade não se cansa de inventar. Eu não, eu passara a tarde toda no hospital com a Isa. Ela estava internada, morrendo de tédio, por que os médicos suspeitavam que ela tinha uma daquelas doenças autoimunes do inferno, que na verdade ela não tem. Se fosse o Dr. House, já teria desvendado aquilo ali antes do sábado e nós duas poderíamos ter ido ao festival à tarde, e poderíamos ter ficado muito bêbadas. De qualquer forma foi divertidíssimo ficar com ela e o namorado dela jogando cartas (truco com um terceiro membro imaginário), fazendo as unhas dela (pintei daquele rosa pitanga fortíssimo da risqué que levanta qualquer ânimo), folheando uma revista Elle e cantando músicas baranguíssimas, impedindo o André de estudar filosofia da educação. Mas mais a noite lá estava eu no bar, um bar que eu já frequentara muito e odiava. Eu estava com uns amigos no bar do outro lado da rua e um deles me convenceu a ir para o outro, o que me perturbou muito, mas eu não recusei. Eu não queria ficar sozinha.
O tal bar do outro lado da rua está sempre cheio de emos e lésbicas. Fica embaixo de um montão de árvores, o que faz que alguns morcegos voem alegremente por ali. Nunca soube de nenhum acidente relativo a isso, mas se eu soubesse, seria uma desculpa para eu nunca mais pôr os pés ali. A cerveja é mais barata, Luís argumentou, podre de bêbado. Sentei-me com ele e não bebi nada.
Anna, Alexandra e Nina me ligaram chamando para ir para aquele pub infernal de novo. Teriam cover de U2. O vocalista daquela banda já dera aula de canto para mim e meu ex-namorado há uns dois anos atrás. Meu ex queria que eu cantasse Ray Charles com ele, mas acho que eu sempre amarelava. Devo ter sido uma péssima namorada nessa época. Eu não bebia. Respondi às minhas amigas que eu iria vê-las sim (provavelmente estavam mais sóbrias e cheirosinhas que o Luís, coitado) e pedi que quando elas chegassem, me dessem um toque no celular. "Estamos na fila", Nina disse. Eu olhei para os lados e disse que já estava indo.
De repente o Luís desaparece e eu me vejo sozinha. Me levanto e encontro outros amigos. Me sento com eles, mas é meio difícil conversar, por que uns caras estranhos ali ao lado estão tocando violão e cantando muito alto, competindo com o clipe do Metallica que está passando na tevê. Volto para a mesa antiga e reencontro Luís. "Eu fui mijar, gata", ele se desculpa.
Olho para o lado e tem uma menina que estudava comigo de pé, ao lado de uma árvore, com um copo lagoinha cheio de cerveja pela metade. Ela está tonta e não me vê. O cara da outra mesa, de costas para mim, grita para ela.
- Alice, vem cá. Senta no meu colo.
Ela vai e senta. Pega a garrafa de cerveja da mesa deles e enche o copo até a borda. Bebe um gole. Paro de prestar atenção até o momento em que ela começa a gritar com a voz rouca Cíntiaaaa, Cíntiaaaa. Uma menina do outro lado do bar olha para ela.
- Posso dar um estalinho nele?
A menina consente e Alice dá um estalinho no rapaz. Me levanto, me despeço, decidida em caminhar cinco quarteirões sozinha até a avenida. Deixando o bar, sinto uma garrafa de cerveja gelada na minha perna. Olho para trás e sei lá por quê aquilo me causa uma estranha comoção.

3- PIÑA COLADA: Estou esperando Nina do lado de fora do banheiro feminino lotado quando chega um cara e pergunta se aquilo que eu estou bebendo é de morango. Não, eu respondo. É de groselha? Não. É de coco? Não. É de limão? Não. É de quê?, ele desiste. Abacaxi, digo. Bom, você viu que eu tentei quatro vezes né?, ele começa. Aham, respondo, e entro no banheiro feminino.

2 comentários:

  1. 1- Existe outra "Alexandra", o que me causa certa crise de identidade;
    2- Piña Colada é de abacaxi com COCO, Laura;
    3- U2 é muito bom!

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  2. 1- quero respeitar sua identidade
    2- vc acha que eu ia ceder?

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