(Retorno ao blog agora que longas escritas parecem ter se diluído: nas próximas semanas, posto aqui algumas partes de uma pequena história que estou escrevendo aos poucos, na medida que o tempo permite as palavras)
Que estranho foi deixar cair a fotografia de uma página marcada de um livro lido enquanto organizava as minhas coisas de cima da mesa de Ivone: a fotografia caiu com a face para o chão de madeira, como se algum destino complacente pedisse para eu não olhar o que havia ali. Não olhe aí, ele diria, jogue fora, deixe no chão, mas jamais olhe.
Pois, até o momento em que a mão não resiste e puxa para si, para perto do rosto um pedaço do rosto antigo, apenas o rosto, o seu, não diminuiu o susto de um rosto verdadeiro apesar da imagem não ter carne – aqui, aqui estão, os olhos, o sorriso que não sabe sorrir direito; que estranho, deixar a fotografia cair e sonhar com você na noite seguinte: sonhei que estava na cozinha com Ivone e que estava fazendo um doce, algo de damasco ou abóbora. E você apareceu então na minha casa, de carne sonhada, e dessa vez você dizia coisas sobre o jantar, sobre a geladeira, sobre os meus sapatos novos, sobre o meu cabelo preso, sobre livros inteiros, e lá, o pote de mel sobre a bancada da cozinha (não havia nada de açúcar branco e puro na casa de Ivone) você provavelmente queria meter o seu dedo ali e provar um pouco do gosto antes que o doce de verdade ficasse pronto.
(De fato, pior ainda que sonhar contigo, é sonhar que se tem sapatos novos e de repente despertar e ver que não há sapatos novos mas os mesmos sapatos velhos de sempre. Você não está mais aqui, nesta cidade, repito para a janela, de madrugada, e sigo procurando por você nas luzes apagadas)
"Você não está mais aqui, nesta cidade, repito para a janela, de madrugada, e sigo procurando por você nas luzes apagadas". entendo bem.
ResponderExcluirai laura, que lindo!
E vamos "encontrá-lo" dentro da gente.
ResponderExcluirMuito Lindo!!!!!!! Bjs